EMBARGOS NA EXECUÇÃO TRABALHISTA: PRAZO E O NOVO § 5o. DO ART.884 DA CLT
JOSÉ AUGUSTO RODRIGUES PINTO<
Presidente da Academia Nacional de Direito do Trabalho
Professor Adjunto IV da Faculdade de Direito da UFBA
Juiz do Trabalho da 5ª Região (aposentado)
SUMÁRIO: 1. Embargos: acepção comum e
jurídica. 2. Natureza dos embargos no processo. 3.) O prazo para
oferecimento. 4.) O início da contagem. 5.) O parágrafo 5.º do art. 884
da CLT.
1. Embargos: acepção comum e jurídica.
Nos dicionários, cuja função é explicar o sentido comum
das palavras, embargo quer dizer “obstáculo, impedimento, estorvo” [1]
Este sentido amplo, sem dúvida, está presente em todos os movimentos de
quem, sendo parte na relação jurídica de processo, porfia por embaraçar o
atendimento da pretensão do adversário, a tal ponto que às autoridades
incumbidas do desembaraço ou desembargo desses obstáculos, no campo dos
recursos, ganharam o título de desembargadores, desde o direito reinol
português.
Transposto para o direito, longe de perder o significado
original, o termo foi pluralizado (embargos) e diversificado pelo
revestimento técnico, encontrando no processo um habitat inteiramente
apropriado ao exercício da arte de criar e remover obstáculos no
fascinante jogo da dialética.
A própria noção de processo – conjunto de atos
coordenados para o pré-determinado fim de solucionar choques de
interesses – autoriza configurá-lo como um campo minado por toda sorte
de barreiras a quem deseja soluções a seu favor. Isso torna muito
cambiantes o sentido e a natureza dos embargos, exigindo infatigável
atenção a respeito do cabimento e do fim a que visam, em cada caso.
2. Natureza dos embargos no processo.
Vemos nos embargos, no processo, duas naturezas
imediatas, distintas entre si: a de ação e a de recurso. Mas apresentam,
ainda, uma natureza mediata, comum e subjacente às anteriores, a de
defesa.
Com a natureza de ação, a palavra aparece nos processos de cognição e de execução.
No processo de cognição mantém fidelidade à acepção
léxica, de substantivo singular, portanto, no embargo de obra nova,
designação coloquial da Ação de Nunciação de Obra Nova, integrante do
rol dos procedimentos especiais do CPC/73 (arts. 934/939). Tem aí por
objeto a proteção da propriedade, da posse ou do interesse público
municipal contra as turbações partidas de obras novas. Curiosa, nesta
ação, é a franquia ao embargo extrajudicial (CPC, art. 935), em casos de
urgência da medida, com validade condicionada à propositura do embargo
judicial nos três dias seguintes à efetivação primeira medida.
No processo de execução, os embargos se relacionam com
títulos obrigacionais de formação judicial ou extrajudicial. Ganham,
então, natureza de ação incidental, cujo objeto é desconstituir a
constrição patrimonial do Estado-juiz na ação executória (título
judicial) ou executiva (título extrajudicial), ambas visando ao
cumprimento forçado de obrigação.
Podem mostrar, também, ainda com o caráter de ação
incidental, a atividade de quem pretende liberar seu patrimônio
constringido em garantia do cumprimento de obrigação alheia.
A natureza incidental de ambas essas ações pode ser
extraída da explicação de Celso Neves para execução: “Quem tem por si um
título executivo, tem a faculdade de invasão da esfera patrimonial do
obrigado, por via da atividade juris-satisfativa do Estado, para de lá
retirar elementos que permitam a realização do objeto da prestação que
lhe é devida... Seja esse título sentencial, seja extrajudicial, nada
pode ser oposto a tal pretensão, antes de estarem esses elementos à
disposição do juízo executório.” [2]
Desde essa visão, percebe-se que os embargos do devedor
são, tecnicamente, uma ação contra a atividade juris-satisfativa do
Estado, que lhe molesta o patrimônio no vestíbulo de ação originária
conexa. Porém, por trás da ação dirigida contra a atividade do órgão
jurisdicional, acabam os embargos convertidos também em meio de defesa
contra o credor, mormente quando o embargante é o próprio devedor da
obrigação.
No processo de execução cível, os embargos podem ganhar
uma qualificação muito típica: de retenção (art. 744). Circunscritos à
execução fundada em direito real, seu objeto circunscrito é discutir o
destino de benfeitorias feitas pelo devedor na propriedade do credor,
para compô-las com a obrigação exigida na ação originária conexa.
Com a natureza de defesa, stricto sensu, a expressão
embargos foi usada com notória impropriedade sistemática, data venia, no
procedimento da ação monitória, que a Lei n. 9.079, de 14 de julho de
1995, trouxe ao nosso ordenamento processual comum, na midi-reforma do
CPC/73 (arts. 1.102 c e §§ 2.º e 3.º).
Julgamos perceptível a impropriedade porque o próprio
Código identificou a defesa com o exercício da resposta à ação, sob a
forma de exceção ou de contestação. Não havia, portanto, razão plausível
para substituir esses designativos processuais específicos por outro
que, devido à variegada utilização, já ressaltada, se prestará a
confundir a mente dos incautos ou não iniciados a respeito de suas
precisas natureza e função.
Como recurso, o vocábulo embargos surge, sem adjetivação, na
lei processual trabalhista (CLT, art. 893, I, e art. 894), adjetivados
de infringentes (CPC, art. 530 e seguintes úteis) ou qualificados como
de divergência (CPC, art. 496, VIII).
Não hesitamos em afirmar que os embargos da lei processual
trabalhista são símile perfeito dos infringentes da lei processual civil
que, por sua vez, já foram outrora denominados embargos infringentes e
de nulidade.
Ainda como recurso, o substantivo embargos aparece, com o
qualificativo de declaratórios (ou de declaração), em ambas as leis
processuais (CLT, art. 897-A, CPC, art. 535 e seguintes úteis). Convém
assinalar que os embargos de declaração tiveram sua disciplina bastante
alterada, no CPC, pela Lei n. 8.950, de 13 de dezembro de 1994, com a
revogação dos seus artigos 464 e 465, e na CLT, pela Lei n. 9.957, de 12
de janeiro de 2000, responsável por introduzi-los na classe dos
recursos próprios trabalhistas.
Esta é uma visão apenas panorâmica da versatilidade do
vocábulo embargos no Direito Processual, suficiente para inspirar todo
cuidado na prevenção de deslizes técnicos. Evidentemente, não desceremos
a detalhes cada um deles, pois isto ultrapassaria a intenção de alcance
do trabalho, limitada aos embargos na execução trabalhista por injunção
do espaço expositivo.
Dos embargos na execução trabalhista, por conseguinte,
passamos a cuidar, abordando pontos que nos parecem mais polêmicos e,
portanto, dignos de iterativa reflexão, além de outros, novos e,
portanto, dignos de prospecção. Assim faremos, na medida em que nos
socorrerem a memória, a sensibilidade jurídica e o esforço de
atualização, dificílima de manter diante da instabilidade de uma
legislação que muda a cada dia, por todas as formas imagináveis,
principalmente a forma vaporosa da Medida Provisória.
3. O prazo para oferecimento.
São dois aspectos a ser examinados com muita prudência, em
face de Medida Provisória que inovou sua duração e do critério firmado
na lei trabalhista para sua contagem, habitualmente despercebido de seus
aplicadores.
No tocante à duração do prazo, desde 1943 a CLT fixou-o em
cinco dias (art. 884), para os entes de direito público e privado,
indiferentemente.
O CP/73 também fixou uma duração comum de dez dias, porém
tratou em normas distintas os embargos da Fazenda Pública (art.730) e
das pessoas jurídicas de direito privado (art. 738).
Isso já foi o bastante para provocar uma dissidência
inconciliável entre os que entendiam que à Fazenda Pública, na execução
trabalhista, era supletivamente aplicável a regra do art. 730 do CPC e
os que opinavam pela aplicação da regra geral do art. 884 da CLT.
A discussão era
evidentemente descabida, data venia. Tenha-se logo presente que,
havendo norma expressa na legislação do trabalho, desaparece o pretexto
para usar norma estranha. Além disso, o privilégio processual de prazo
concedido à Fazenda Pública pelo Decreto-lei n. 779, de 21.08.69, só
alcançou a resposta no dissídio de conhecimento.
Portanto, em termos de embargos na execução, a Fazenda
Pública submetia-se ao mesmo prazo do particular, ou seja, cinco dias.
Esse debate foi ofuscado por outro, muito mais áspero,
desde que a Medida Provisória 2.102/00, cumprindo um constrangedor
programa do Poder Executivo para privilegiar a Administração Pública em
tudo que diga respeito a deveres processuais, elevou para trinta dias o
prazo dos seus embargos na execução.
Dispôs o art. 9º da MP em causa que “o prazo a que se
refere o caput dos arts. 730 do Código de Processo Civil, e 884 da
Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Dec.-lei n. 4.452, de
1.º de maio de 1943, passa a ser de trinta dias.”
Considerando-se que o art. 730 do CPC só trata dos embargos
da Fazenda Pública, enquanto o art. 884 da CLT trata dos embargos de
todos os devedores, a única leitura possível da modificação é que, na
execução cível, a Fazenda Pública passou a ter seu prazo triplicado para
30 (trinta) dias – CPC, art. 730 – enquanto o particular foi mantido
com o de 10 (dez) dias – CPC, art. 738. Mas, na execução trabalhista,
todos os devedores passaram a ter seu prazo sextuplicado para 30
(trinta) dias.
Isto é um atentado quase terrorista ao princípio da
celeridade no processo, correspondente a uma necessidade dramática do
trabalhador, cujo direito foi proclamado pela sentença (agora, também,
por executivo extrajudicial) e tem que lutar para resgata-lo,
penosamente, através da execução forçada.
De modo muito engenhoso – e o intérprete da lei brasileira,
nos dias correntes, precisa de um engenho sobre-humano para
compreende-la e aplica-la – alguns procuram explicar que, tendo sido
reescritos esses dispositivos das leis processuais civil e trabalhista
como alterações da Lei n. 9.494, de 10 de setembro de 1997, a qual, por
sua vez, dispõe sobre privilégios da Fazenda Pública, na antecipação a
tutela, deve ser entendido que o novo prazo de trinta dias para de
embargos trabalhistas tem alcance limitado à Fazenda Pública.
Louve-se a tentativa de ser razoável, mas não se zombe do
significado das palavras e da análise lógica das orações. Não temos a
mínima dúvida de que o legislador só quis favorecer a Administração
Pública; mas, no melhor vernáculo, favoreceu a todos os devedores, sejam
eles pessoas de direito público ou privado.
Durante meses alimentamos a esperança de que, apercebido do
seu erro pelo clamor público do absurdo perpetrado contra o
hipossuficiente econômico, na execução trabalhista, o feitor das Medidas
Provisórias corrigisse seu erro, retificando o art. 884 da CLT e
deixando explícito que o brutal elastecimento para trinta dias do prazo
para embargos é privilégio da Fazenda Pública
Entretanto, conferimos pela última reedição da Medida
Provisória (n. 1.280-35), antes de escrever este texto, que a redação
inicial se conserva e, portanto, favorece a todos os devedores na
execução trabalhista.
Resta-nos, então, o que já dissemos sobre o lamentável
fato: “Para resistir ao absurdo da alteração imposta, temos que passar
do paliativo impossível para a cirurgia corretiva... É a outra pergunta
que muito tem sido feita: se prazo processual pode ser legislado por
meio de medida provisória. Para responde-la, basta conferir em Uadi
Lammêgo Bulos, constitucionalista emérito, os traços perfiladores da
figura jurídica denominada medida provisória: ‘a) Excepcionalidade –
porque a medida provisória “não é lei” e sim “ato monocrático e
unipessoal do Presidente da República.” b) – Efemeridade – porque tem
“um prazo de vida curtíssimo”e “difere substancialmente das leis, as
quais se pretendem indeterminadas. c) – Precariedade – porque “podem ser
infirmadas a qualquer tempo pelo Congresso Nacional ao serem apreciadas
por ele dentro do prazo legal.” d) – Condicionamento – porque se
condiciona à satisfação de dois pressupostos simultâneos: a relevância e
a urgência.’ [3]
A ausência desses traços, que devem aparecer juntos para
dar solidez à figura jurídica da Medida Provisória, faz saltar aos olhos
que matéria legislativa de prazo processual não permite nem um esboço
do perfil exigido para seu uso. A competência para legislar sobre
processo (em cujo contexto estão inseridos os prazos e não se confunde
com a lei), é da União (que não se confunde com o Presidente da
República, apenas representante de um dos seus círculos de Poder).
Logo, o prazo processual não pode emanar de ato monocrático
e unipessoal do Presidente da República. A disciplina do prazo
processual tem o atributo da permanência, como penhor da segurança da
garantia e ampla defesa. Somando-se todos os fatores em jogo, chega-se à
perfeita noção de incompatibilidade entre prazo processual e relevância
e urgência próprias da Medida Provisória.
Então, se o juiz do trabalho não poderá fingir, com o
recurso à analogia, pode ser realista, com o recurso à declaração da
inconstitucionalidade. Aliás, não desta MP somente, mas de toda a
coorte de outras (observe-se que sua numeração, sem multiplicar-se pelo
número de reedições, já passou de dois mil), que infestam a área
trabalhista, algumas até elogiáveis, mas nem por isso menos espúrias,
constitucionalmente.” [4]
4. O início da contagem.
Outro ponto sensível dos embargos na execução trabalhista,
considerando os termos em que está vazado o caput do art. 884 da CLT, é o
início de contagem do prazo para oferece-los.
É elementar o intransigente condicionamento do seu curso à
garantia do juízo, cujo escopo prático é a indisponibilidade do
patrimônio do devedor, pelo que baste à certeza de cumprimento da
obrigação, depois de discutidos.
Ora, conforme expusemos no item 6 deste estudo, a garantia
tem duas faces: direta, revelada no depósito pelo próprio devedor, em
juízo, da quantia correspondente à obrigação; indireta, representada
pela apreensão de bens do devedor, por agente do juízo (oficial de
Justiça avaliador), em valor bastante para responder pela obrigação.
Repetimos que, na garantia direta a indisponibilidade é
imediata, porque a disposição do dinheiro se transfere do devedor ao
juízo no próprio ato do depósito. A partir
de então, o devedor sabe que foi privado da disponibilidade da quantia dada em garantia.
Por isso, nunca nos cansamos de dizer que a penhora de
dinheiro depositado em garantia direta do juízo é uma abundância
processual inútil e sem sentido jurídico, porquanto a realização do
depósito, por si só, assume o papel que a penhora assumiria.
Firmada essa noção distintiva, não temos nenhuma dúvida de
que ela está feita na CLT, quando estabelece: “Art. 884. Garantida a
execução ou penhorados os bens, terá o executado cinco dias para
embargar, cabendo igual prazo ao exeqüente para impugnação” (destaques
nossos).
A distinção é cristalina pelo emprego da conjunção
alternativa “ou”, que separa a expressão “garantida a execução” da
expressão “penhorados os bens”, alternando duas situações: a de
garantia direta por depósito da quantia em juízo e a de garantia
indireta por penhora de bens pelo oficial de Justiça avaliador.
Em ambas as situações o prazo é um só: cinco dias. Também a
fixação do dies a quo é a mesma: a ciência pelo devedor de que seu
patrimônio se tornou indisponível. Mas o início da contagem não pode ser
igual, considerando que, na garantia direta, ele toma ciência quando
faz o depósito, ao passo que, na garantia indireta, ele só toma ciência
quando é intimado do ato pelo oficial de Justiça.
Logo, só há um modo correto para iniciar a contagem do
prazo dos embargos do devedor: se garantida a execução, os cinco dias
são contados da data do depósito; se penhorados os bens, são contados
da data da intimação da penhora pelo oficial de Justiça.
Wagner Giglio chegou à mesma conclusão: “Os embargos serão
autuados em apenso aos autos principais CPC, art. 736), e o prazo de
cinco dias será contado, para o executado, a partir da data em que foi
intimado da penhora ou daquela em que efetuou o depósito... A rigor,
oferecido o depósito, deveriam os autos ir conclusos ao juiz, para que
pudesse verificar sua regularidade; deferido, sobre ele se lavraria a
penhora, intimando-se o executado da formalização desta, para início do
prazo de apresentação dos embargos. Na prática, entretanto, instituiu-se
procedimento mais célere: consigna-se na guia de depósito que este é
feito para garantia da execução ou, mais sucintamente, para ‘embargar’,
diferenciando-o, assim, do depósito para pagamento da condenação. Com
esse expediente, tem-se como formalizada a garantia da execução,
prescindindo-se da providência burocrática de lavrar o auto de penhora
sobre o depósito, dando-se o executado como ciente do decurso do
quinqüíndio para embargar a partir da efetivação do depósito, isto é, do
recolhimento da verba, comprovado pelo carimbo aposto à guia pelo
estabelecimento de crédito.” [5]
As duas teses destoam apenas no fundamento: enquanto
sustentamos que o diferencial do início de contagem decorre de
determinação legal inequívoca, o douto mestre paulista entende que
decorre de simples praxe processual.
Fizemos questão, porém, de escudar-nos na excelência de sua
companhia intelectual para diminuir o risco do estigma de cerebrino,
nos momentos em que desejamos ser somente precisos no estudo do Direito.
5. O parágrafo 5.º do art. 884 da CLT.
A Medida Provisória, remédio heróico para a efetividade do
ordenamento jurídico, em situações de urgência e relevância,
infelizmente naturalizou-se brasileira ao ser deformada pela
banalização, passando a servir de instrumento do Executivo para
implantar regras casuísticas, confiado na inércia do Legislativo, sem
maiores compromissos com os fundamentos científicos do Direito.
Naturalizou-se, em suma, ao conseguir instilar em nosso sistema legal a
mais tropicalista das anarquias.
Por isso, fica difícil entender, ao menos imediatamente,
certas figuras e situações criadas através de medidas provisórias. É o
que já sentimos e externamos, com respeito à reafirmação da
sextuplicação do prazo do art. 884 da CLT para oferecimento (ver n.
4.4., supra) e agora passamos a considerar, com respeito à
inexigibilidade do título da execução (CLT, art. 884, § 5.º), conforme a
MP n. 2.180-35, de 24 de agosto de 2001 (ver n. 4.4., supra).
Comecemos estas considerações, transcrevendo o texto a ser
considerado. Depois, tentemos decompô-lo para procurar entender o seu
alcance.
Diz ele:
Art. 884 (omissis)
§ 5.º - Considera-se inexigível o título judicial fundado
em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo
Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por
incompatíveis (sic) com a Constituição Federal.”
Nossa primeira preocupação se volta para os conceitos.
Inexigível é, obviamente, o que não pode ser exigido ou
cobrado. Numa exata compreensão jurídica, a inexigibilidade não concerne
ao título, mera representação do direito criado e representado através
dele. Concerne ao próprio direito. Assim acontece, por exemplo, com o
título de dívida ainda não vencida: embora formalize e represente um
direito constituído, não pode ser apresentado à cobrança, porque o
cumprimento do direito ainda não pode ser exigido.
A disposição da norma tem, portanto, alcance muito mais
amplo do que a inexigibilidade do título. Trata da inexigibilidade do
direito, cuja constituição não pode ser reconhecida em virtude da base
inconstitucional da formação. Por outras palavras, não há título
judicial, porque nenhum direito foi constituído através dele.
A segunda atenção é para a limitação do alcance a apenas
uma das classes dos títulos habilitantes da execução. A alusão é muito
clara e direta: inexigível (para ficar com a linguagem da nova norma) é o
título judicial. Como, atualmente, na Justiça do Trabalho, a execução
pode fundar-se, também, em títulos extrajudiciais (Termo de Ajuste de
Conduta e Termos de Conciliação Preventiva), segue-se que nesse caso, os
títulos, mesmo celebrados com fundamento normativo, lato sensu,
declarado inconstitucional, têm que ter discutido o obstáculo à
constituição do direito, nos embargos ou através de exceção de
pré-executivade (rectius, defesa sem constrição), visto ser pretensão do
indigitado devedor sustentar a inadmissibilidade da execução.
A preocupação mais complexa diz respeito ao propósito do
legislador ao conceber a norma e às decorrências jurídicas que provoca.
Não vemos outro propósito senão o de criar um obstáculo
imediato ao cumprimento da sentença, passando por cima de sua própria
autoridade, em tese. Ora, considerando que, para ser executada, a
sentença tem que tem que ser irrecorrível, isso vem a significar a
possibilidade de desconstituir a coisa julgada em o uso da via
rescisória, a única admitida pela doutrina com poder de desconstituição
da sentença e, até então, a única aceita por nossas leis processuais com
o mesmo escopo.
A norma trará, inevitavelmente, duas decorrências. Uma será
de simplificação e rapidez no desfecho da ação, porém em favor
exclusivo do devedor, que não é o hipossuficiente econômico, na execução
trabalhista. A outra tem o aspecto de uma audaciosa cunha cravada na
majestade da coisa julgada, da qual já se disse: “A autoridade da res
judicata não admite, desde que já foi reconhecida a verdade, a justiça e
a certeza a respeito da controvérsia, em virtude da sentença dada, que
venha a mesma questão a ser ventilada, tentando destruir a soberania da
sentença, proferida anteriormente, e considerada irretratável, por ter
passado em julgado.”[6]
Talvez encontremos, na lição de Pontes de Miranda sobre o
ataque à sentença inexistente ou nula, o fundamento para o desprezo
deste § 5.º pela ação rescisória da sentença que não constituiu direito
por se haver estribado em norma declarada inconstitucional.
“Aqui – ele diz – fere-se o ponto mais delicado: a ação de
nulidade supõe que a relação jurídica processual exista, posto que nulo o
processo; a ação rescisória, que exista e valha o processo, porém ainda
esteja sujeito à impugnação rescidente... A sentença transitou em
julgado, há sentença, que existe, vale e é eficaz, de modo que não há
ação rescisória de sentença que não existe, do decisum que não é
sentença. Se, a despeito de existir a sentença, é tida como nula, não se
precisa da propositura da ação rescisória: a rescindibilidade pode
existir, mas perdura a nulidade, que dá ensejo à querela de nulidade
inserta nos embargos do devedor. Uma das conseqüências da declaração da
inexistência da sentença, ou da decretação de sua nulidade, é poder quem
foi prejudicado pela inexistência, ou pela nulidade da sentença, pedir a
restituição ao estado anterior, porque se atribui efeito ao que, em
caso de declaração da inexistência ou nulidade, não existe. Nem a
sentença que não é, nem a que é nula, tem eficácia.” [7]
Parece-nos, acima de dúvida, que o § 5.º do art. 884 assume
esse modo de pensar. Se o título judicial não constituiu o direito,
porque não podia faze-lo contra a Constituição, violada pela base
normativa em que se amparou, é possível considera-la inexistente ou nula
(para nós a distinção é irrelevante, na prática, pois o resultado da
inexistência e da nulidade pleno jure é o mesmo), então a rescisória é
despicienda, porque não se atingiu a coisa julgada a desconstituir.
Trata-se, simplesmente, de nulidade do processo, ainda que válida a
relação jurídica estabelecida dentro dele, solúvel pela simples
declaração de nulidade.
Parece-nos que esta linha de pensamento é a razão jurídica
do atalho construído para o curso da execução, quando o título em que se
funda não pôde constituir direito que se tornasse exigível.
Se é assim, o que o § 5.º do art. 884 construiu foi, na
realidade, uma causa específica para a exceção de pré-executividade
(rectius, defesa sem constrição) veículo de ataque direto à
inadmissibilidade da execução pela vacuidade de direito do título em que
se ampara.
Até enquanto a Medida Provisória se detém na hipótese de
lei ou ato normativo já declarado inconstitucional pela Suprema Corte,
conseguimos considerar palatável sua inovação. Mas, quando admite o
mesmo efeito para situações em que a interpretação do juízo do momento
poderá dizer se o título judicial cuja autoridade repele, tout court,
aplicou ou interpretou o direito que constituiu, de modo compatível com a
Constituição, cremos ter cometido um exagero pouco jurídico de
simplificação e entregue a res judicata, cujo império deve ser
preservado como custo da estabilidade das relações jurídicas, à
subjetividade da apreciação de primeiro grau, que pode torna-la tão
respeitada como um bilhete rifado de loteria. Neste passo, portanto,
consideramos inaceitável o que fez a Medida Provisória em questão.
O tempo dirá se nossa visão é correta – e se a criação da
norma valerá a pena como introdução pioneira da exceção de
pré-executividade no direito positivo brasileiro ou será mais uma
distorção entre as tantas que a lei brasileira tem imposto à teoria do
processo.
[1] Dicmax Michaellis (Eletrônico). São Paulo:
Melhoramentos, 1999, verbete “Embargo”. Ver também SEGUIER. Dicionário
Prático Ilustrado. Rio: Francisco Alves, pág. 371.
[2] NEVES, CELSO. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio: Forense, 1974, vol. VII, pág. 197.
[3] BULOS, UADI LAMMÊGO. Constituição Federal Anotada. 2ed. São Paulo: 2001, pág. 763.
[4] RODRIGUES PINTO, JOSÉ AUGUSTO. O novo prazo para
embargos do devedor na execução cível e trabalhista. São Paulo; Revista
LTR, 65-04/412/413, destaques do original.
[5] GIGLIO, WAGNER D. Direito Processual doTrabalho. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2000, pág. 521, destaques nossos.
[6] DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. 15 ed. Rio: Forense, 1999, pág. 178, destaques do Autor.
[7] PONTES DE MIRANDA. Tratado da Ação Rescisória. São Paulo: Bookseller, 1998, pág. 179 |
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