terça-feira, 13 de março de 2012

EMBARGOS NA EXECUÇÃO TRABALHISTA: PRAZO E O NOVO § 5o. DO ART.884 DA CLT



  Exelente  de Doutrina - José Augusto Rodrigues Pinto


EMBARGOS NA EXECUÇÃO TRABALHISTA: PRAZO E O NOVO § 5o. DO ART.884 DA CLT



JOSÉ AUGUSTO RODRIGUES PINTO<
Presidente da Academia Nacional de Direito do Trabalho
Professor Adjunto IV da Faculdade de Direito da UFBA
Juiz do Trabalho da 5ª Região (aposentado)

    SUMÁRIO: 1. Embargos: acepção comum e jurídica. 2. Natureza dos embargos no processo. 3.) O prazo para oferecimento. 4.) O início da contagem. 5.) O parágrafo 5.º do art. 884 da CLT.
1. Embargos: acepção comum e jurídica.

Nos dicionários, cuja função é explicar o sentido comum das palavras, embargo quer dizer “obstáculo, impedimento, estorvo” [1] Este sentido amplo, sem dúvida, está presente em todos os movimentos de quem, sendo parte na relação jurídica de processo, porfia por embaraçar o atendimento da pretensão do adversário, a tal ponto que às autoridades incumbidas do desembaraço ou desembargo desses obstáculos, no campo dos recursos, ganharam o título de desembargadores, desde o direito reinol português.

Transposto para o direito, longe de perder o significado original, o termo foi pluralizado (embargos) e diversificado pelo revestimento técnico, encontrando no processo um habitat inteiramente apropriado ao exercício da arte de criar e remover obstáculos no fascinante jogo da dialética.

A própria noção de processo – conjunto de atos coordenados para o pré-determinado fim de solucionar choques de interesses – autoriza configurá-lo como um campo minado por toda sorte de barreiras a quem deseja soluções a seu favor. Isso torna muito cambiantes o sentido e a natureza dos embargos, exigindo infatigável atenção a respeito do cabimento e do fim a que visam, em cada caso.

2. Natureza dos embargos no processo.

Vemos nos embargos, no processo, duas naturezas imediatas, distintas entre si: a de ação e a de recurso. Mas apresentam, ainda, uma natureza mediata, comum e subjacente às anteriores, a de defesa.

Com a natureza de ação, a palavra aparece nos processos de cognição e de execução.

No processo de cognição mantém fidelidade à acepção léxica, de substantivo singular, portanto, no embargo de obra nova, designação coloquial da Ação de Nunciação de Obra Nova, integrante do rol dos procedimentos especiais do CPC/73 (arts. 934/939). Tem aí por objeto a proteção da propriedade, da posse ou do interesse público municipal contra as turbações partidas de obras novas. Curiosa, nesta ação, é a franquia ao embargo extrajudicial (CPC, art. 935), em casos de urgência da medida, com validade condicionada à propositura do embargo judicial nos três dias seguintes à efetivação primeira medida.

No processo de execução, os embargos se relacionam com títulos obrigacionais de formação judicial ou extrajudicial. Ganham, então, natureza de ação incidental, cujo objeto é desconstituir a constrição patrimonial do Estado-juiz na ação executória (título judicial) ou executiva (título extrajudicial), ambas visando ao cumprimento forçado de obrigação.

Podem mostrar, também, ainda com o caráter de ação incidental, a atividade de quem pretende liberar seu patrimônio constringido em garantia do cumprimento de obrigação alheia.

A natureza incidental de ambas essas ações pode ser extraída da explicação de Celso Neves para execução: “Quem tem por si um título executivo, tem a faculdade de invasão da esfera patrimonial do obrigado, por via da atividade juris-satisfativa do Estado, para de lá retirar elementos que permitam a realização do objeto da prestação que lhe é devida... Seja esse título sentencial, seja extrajudicial, nada pode ser oposto a tal pretensão, antes de estarem esses elementos à disposição do juízo executório.” [2]

Desde essa visão, percebe-se que os embargos do devedor são, tecnicamente, uma ação contra a atividade juris-satisfativa do Estado, que lhe molesta o patrimônio no vestíbulo de ação originária conexa. Porém, por trás da ação dirigida contra a atividade do órgão jurisdicional, acabam os embargos convertidos também em meio de defesa contra o credor, mormente quando o embargante é o próprio devedor da obrigação.

No processo de execução cível, os embargos podem ganhar uma qualificação muito típica: de retenção (art. 744). Circunscritos à execução fundada em direito real, seu objeto circunscrito é discutir o destino de benfeitorias feitas pelo devedor na propriedade do credor, para compô-las com a obrigação exigida na ação originária conexa.

Com a natureza de defesa, stricto sensu, a expressão embargos foi usada com notória impropriedade sistemática, data venia, no procedimento da ação monitória, que a Lei n. 9.079, de 14 de julho de 1995, trouxe ao nosso ordenamento processual comum, na midi-reforma do CPC/73 (arts. 1.102 c e §§ 2.º e 3.º).

Julgamos perceptível a impropriedade porque o próprio Código identificou a defesa com o exercício da resposta à ação, sob a forma de exceção ou de contestação. Não havia, portanto, razão plausível para substituir esses designativos processuais específicos por outro que, devido à variegada utilização, já ressaltada, se prestará a confundir a mente dos incautos ou não iniciados a respeito de suas precisas natureza e função.

Como recurso, o vocábulo embargos surge, sem adjetivação, na lei processual trabalhista (CLT, art. 893, I, e art. 894), adjetivados de infringentes (CPC, art. 530 e seguintes úteis) ou qualificados como de divergência (CPC, art. 496, VIII).

Não hesitamos em afirmar que os embargos da lei processual trabalhista são símile perfeito dos infringentes da lei processual civil que, por sua vez, já foram outrora denominados embargos infringentes e de nulidade.

Ainda como recurso, o substantivo embargos aparece, com o qualificativo de declaratórios (ou de declaração), em ambas as leis processuais (CLT, art. 897-A, CPC, art. 535 e seguintes úteis). Convém assinalar que os embargos de declaração tiveram sua disciplina bastante alterada, no CPC, pela Lei n. 8.950, de 13 de dezembro de 1994, com a revogação dos seus artigos 464 e 465, e na CLT, pela Lei n. 9.957, de 12 de janeiro de 2000, responsável por introduzi-los na classe dos recursos próprios trabalhistas.

Esta é uma visão apenas panorâmica da versatilidade do vocábulo embargos no Direito Processual, suficiente para inspirar todo cuidado na prevenção de deslizes técnicos. Evidentemente, não desceremos a detalhes cada um deles, pois isto ultrapassaria a intenção de alcance do trabalho, limitada aos embargos na execução trabalhista por injunção do espaço expositivo.

Dos embargos na execução trabalhista, por conseguinte, passamos a cuidar, abordando pontos que nos parecem mais polêmicos e, portanto, dignos de iterativa reflexão, além de outros, novos e, portanto, dignos de prospecção. Assim faremos, na medida em que nos socorrerem a memória, a sensibilidade jurídica e o esforço de atualização, dificílima de manter diante da instabilidade de uma legislação que muda a cada dia, por todas as formas imagináveis, principalmente a forma vaporosa da Medida Provisória.

3. O prazo para oferecimento.

São dois aspectos a ser examinados com muita prudência, em face de Medida Provisória que inovou sua duração e do critério firmado na lei trabalhista para sua contagem, habitualmente despercebido de seus aplicadores.

No tocante à duração do prazo, desde 1943 a CLT fixou-o em cinco dias (art. 884), para os entes de direito público e privado, indiferentemente.

O CP/73 também fixou uma duração comum de dez dias, porém tratou em normas distintas os embargos da Fazenda Pública (art.730) e das pessoas jurídicas de direito privado (art. 738).

Isso já foi o bastante para provocar uma dissidência inconciliável entre os que entendiam que à Fazenda Pública, na execução trabalhista, era supletivamente aplicável a regra do art. 730 do CPC e os que opinavam pela aplicação da regra geral do art. 884 da CLT.

A discussão era evidentemente descabida, data venia. Tenha-se logo presente que, havendo norma expressa na legislação do trabalho, desaparece o pretexto para usar norma estranha. Além disso, o privilégio processual de prazo concedido à Fazenda Pública pelo Decreto-lei n. 779, de 21.08.69, só alcançou a resposta no dissídio de conhecimento.

Portanto, em termos de embargos na execução, a Fazenda Pública submetia-se ao mesmo prazo do particular, ou seja, cinco dias.

Esse debate foi ofuscado por outro, muito mais áspero, desde que a Medida Provisória 2.102/00, cumprindo um constrangedor programa do Poder Executivo para privilegiar a Administração Pública em tudo que diga respeito a deveres processuais, elevou para trinta dias o prazo dos seus embargos na execução.

Dispôs o art. 9º da MP em causa que “o prazo a que se refere o caput dos arts. 730 do Código de Processo Civil, e 884 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Dec.-lei n. 4.452, de 1.º de maio de 1943, passa a ser de trinta dias.”

Considerando-se que o art. 730 do CPC só trata dos embargos da Fazenda Pública, enquanto o art. 884 da CLT trata dos embargos de todos os devedores, a única leitura possível da modificação é que, na execução cível, a Fazenda Pública passou a ter seu prazo triplicado para 30 (trinta) dias – CPC, art. 730 – enquanto o particular foi mantido com o de 10 (dez) dias – CPC, art. 738. Mas, na execução trabalhista, todos os devedores passaram a ter seu prazo sextuplicado para 30 (trinta) dias.

Isto é um atentado quase terrorista ao princípio da celeridade no processo, correspondente a uma necessidade dramática do trabalhador, cujo direito foi proclamado pela sentença (agora, também, por executivo extrajudicial) e tem que lutar para resgata-lo, penosamente, através da execução forçada.

De modo muito engenhoso – e o intérprete da lei brasileira, nos dias correntes, precisa de um engenho sobre-humano para compreende-la e aplica-la – alguns procuram explicar que, tendo sido reescritos esses dispositivos das leis processuais civil e trabalhista como alterações da Lei n. 9.494, de 10 de setembro de 1997, a qual, por sua vez, dispõe sobre privilégios da Fazenda Pública, na antecipação a tutela, deve ser entendido que o novo prazo de trinta dias para de embargos trabalhistas tem alcance limitado à Fazenda Pública.

Louve-se a tentativa de ser razoável, mas não se zombe do significado das palavras e da análise lógica das orações. Não temos a mínima dúvida de que o legislador só quis favorecer a Administração Pública; mas, no melhor vernáculo, favoreceu a todos os devedores, sejam eles pessoas de direito público ou privado.

Durante meses alimentamos a esperança de que, apercebido do seu erro pelo clamor público do absurdo perpetrado contra o hipossuficiente econômico, na execução trabalhista, o feitor das Medidas Provisórias corrigisse seu erro, retificando o art. 884 da CLT e deixando explícito que o brutal elastecimento para trinta dias do prazo para embargos é privilégio da Fazenda Pública

Entretanto, conferimos pela última reedição da Medida Provisória (n. 1.280-35), antes de escrever este texto, que a redação inicial se conserva e, portanto, favorece a todos os devedores na execução trabalhista.

Resta-nos, então, o que já dissemos sobre o lamentável fato: “Para resistir ao absurdo da alteração imposta, temos que passar do paliativo impossível para a cirurgia corretiva... É a outra pergunta que muito tem sido feita: se prazo processual pode ser legislado por meio de medida provisória. Para responde-la, basta conferir em Uadi Lammêgo Bulos, constitucionalista emérito, os traços perfiladores da figura jurídica denominada medida provisória: ‘a) Excepcionalidade – porque a medida provisória “não é lei” e sim “ato monocrático e unipessoal do Presidente da República.” b) – Efemeridade – porque tem “um prazo de vida curtíssimo”e “difere substancialmente das leis, as quais se pretendem indeterminadas. c) – Precariedade – porque “podem ser infirmadas a qualquer tempo pelo Congresso Nacional ao serem apreciadas por ele dentro do prazo legal.” d) – Condicionamento – porque se condiciona à satisfação de dois pressupostos simultâneos: a relevância e a urgência.’ [3]

A ausência desses traços, que devem aparecer juntos para dar solidez à figura jurídica da Medida Provisória, faz saltar aos olhos que matéria legislativa de prazo processual não permite nem um esboço do perfil exigido para seu uso. A competência para legislar sobre processo (em cujo contexto estão inseridos os prazos e não se confunde com a lei), é da União (que não se confunde com o Presidente da República, apenas representante de um dos seus círculos de Poder).

Logo, o prazo processual não pode emanar de ato monocrático e unipessoal do Presidente da República. A disciplina do prazo processual tem o atributo da permanência, como penhor da segurança da garantia e ampla defesa. Somando-se todos os fatores em jogo, chega-se à perfeita noção de incompatibilidade entre prazo processual e relevância e urgência próprias da Medida Provisória.

Então, se o juiz do trabalho não poderá fingir, com o recurso à analogia, pode ser realista, com o recurso à declaração da inconstitucionalidade. Aliás, não desta MP somente, mas de toda a coorte de outras (observe-se que sua numeração, sem multiplicar-se pelo número de reedições, já passou de dois mil), que infestam a área trabalhista, algumas até elogiáveis, mas nem por isso menos espúrias, constitucionalmente.” [4]

4. O início da contagem.

Outro ponto sensível dos embargos na execução trabalhista, considerando os termos em que está vazado o caput do art. 884 da CLT, é o início de contagem do prazo para oferece-los.

É elementar o intransigente condicionamento do seu curso à garantia do juízo, cujo escopo prático é a indisponibilidade do patrimônio do devedor, pelo que baste à certeza de cumprimento da obrigação, depois de discutidos.

Ora, conforme expusemos no item 6 deste estudo, a garantia tem duas faces: direta, revelada no depósito pelo próprio devedor, em juízo, da quantia correspondente à obrigação; indireta, representada pela apreensão de bens do devedor, por agente do juízo (oficial de Justiça avaliador), em valor bastante para responder pela obrigação.

Repetimos que, na garantia direta a indisponibilidade é imediata, porque a disposição do dinheiro se transfere do devedor ao juízo no próprio ato do depósito. A partir

de então, o devedor sabe que foi privado da disponibilidade da quantia dada em garantia.

Por isso, nunca nos cansamos de dizer que a penhora de dinheiro depositado em garantia direta do juízo é uma abundância processual inútil e sem sentido jurídico, porquanto a realização do depósito, por si só, assume o papel que a penhora assumiria.

Firmada essa noção distintiva, não temos nenhuma dúvida de que ela está feita na CLT, quando estabelece: “Art. 884. Garantida a execução ou penhorados os bens, terá o executado cinco dias para embargar, cabendo igual prazo ao exeqüente para impugnação” (destaques nossos).

A distinção é cristalina pelo emprego da conjunção alternativa “ou”, que separa a expressão “garantida a execução” da expressão “penhorados os bens”, alternando duas situações: a de garantia direta por depósito da quantia em juízo e a de garantia indireta por penhora de bens pelo oficial de Justiça avaliador.

Em ambas as situações o prazo é um só: cinco dias. Também a fixação do dies a quo é a mesma: a ciência pelo devedor de que seu patrimônio se tornou indisponível. Mas o início da contagem não pode ser igual, considerando que, na garantia direta, ele toma ciência quando faz o depósito, ao passo que, na garantia indireta, ele só toma ciência quando é intimado do ato pelo oficial de Justiça.

Logo, só há um modo correto para iniciar a contagem do prazo dos embargos do devedor: se garantida a execução, os cinco dias são contados da data do depósito; se penhorados os bens, são contados da data da intimação da penhora pelo oficial de Justiça.

Wagner Giglio chegou à mesma conclusão: “Os embargos serão autuados em apenso aos autos principais CPC, art. 736), e o prazo de cinco dias será contado, para o executado, a partir da data em que foi intimado da penhora ou daquela em que efetuou o depósito... A rigor, oferecido o depósito, deveriam os autos ir conclusos ao juiz, para que pudesse verificar sua regularidade; deferido, sobre ele se lavraria a penhora, intimando-se o executado da formalização desta, para início do prazo de apresentação dos embargos. Na prática, entretanto, instituiu-se procedimento mais célere: consigna-se na guia de depósito que este é feito para garantia da execução ou, mais sucintamente, para ‘embargar’, diferenciando-o, assim, do depósito para pagamento da condenação. Com esse expediente, tem-se como formalizada a garantia da execução, prescindindo-se da providência burocrática de lavrar o auto de penhora sobre o depósito, dando-se o executado como ciente do decurso do quinqüíndio para embargar a partir da efetivação do depósito, isto é, do recolhimento da verba, comprovado pelo carimbo aposto à guia pelo estabelecimento de crédito.” [5]

As duas teses destoam apenas no fundamento: enquanto sustentamos que o diferencial do início de contagem decorre de determinação legal inequívoca, o douto mestre paulista entende que decorre de simples praxe processual.

Fizemos questão, porém, de escudar-nos na excelência de sua companhia intelectual para diminuir o risco do estigma de cerebrino, nos momentos em que desejamos ser somente precisos no estudo do Direito.

5. O parágrafo 5.º do art. 884 da CLT.

A Medida Provisória, remédio heróico para a efetividade do ordenamento jurídico, em situações de urgência e relevância, infelizmente naturalizou-se brasileira ao ser deformada pela banalização, passando a servir de instrumento do Executivo para implantar regras casuísticas, confiado na inércia do Legislativo, sem maiores compromissos com os fundamentos científicos do Direito. Naturalizou-se, em suma, ao conseguir instilar em nosso sistema legal a mais tropicalista das anarquias.

Por isso, fica difícil entender, ao menos imediatamente, certas figuras e situações criadas através de medidas provisórias. É o que já sentimos e externamos, com respeito à reafirmação da sextuplicação do prazo do art. 884 da CLT para oferecimento (ver n. 4.4., supra) e agora passamos a considerar, com respeito à inexigibilidade do título da execução (CLT, art. 884, § 5.º), conforme a MP n. 2.180-35, de 24 de agosto de 2001 (ver n. 4.4., supra).

Comecemos estas considerações, transcrevendo o texto a ser considerado. Depois, tentemos decompô-lo para procurar entender o seu alcance.

Diz ele:

Art. 884 (omissis)


    § 5.º - Considera-se inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis (sic) com a Constituição Federal.”
Nossa primeira preocupação se volta para os conceitos.

Inexigível é, obviamente, o que não pode ser exigido ou cobrado. Numa exata compreensão jurídica, a inexigibilidade não concerne ao título, mera representação do direito criado e representado através dele. Concerne ao próprio direito. Assim acontece, por exemplo, com o título de dívida ainda não vencida: embora formalize e represente um direito constituído, não pode ser apresentado à cobrança, porque o cumprimento do direito ainda não pode ser exigido.

A disposição da norma tem, portanto, alcance muito mais amplo do que a inexigibilidade do título. Trata da inexigibilidade do direito, cuja constituição não pode ser reconhecida em virtude da base inconstitucional da formação. Por outras palavras, não há título judicial, porque nenhum direito foi constituído através dele.

A segunda atenção é para a limitação do alcance a apenas uma das classes dos títulos habilitantes da execução. A alusão é muito clara e direta: inexigível (para ficar com a linguagem da nova norma) é o título judicial. Como, atualmente, na Justiça do Trabalho, a execução pode fundar-se, também, em títulos extrajudiciais (Termo de Ajuste de Conduta e Termos de Conciliação Preventiva), segue-se que nesse caso, os títulos, mesmo celebrados com fundamento normativo, lato sensu, declarado inconstitucional, têm que ter discutido o obstáculo à constituição do direito, nos embargos ou através de exceção de pré-executivade (rectius, defesa sem constrição), visto ser pretensão do indigitado devedor sustentar a inadmissibilidade da execução.

A preocupação mais complexa diz respeito ao propósito do legislador ao conceber a norma e às decorrências jurídicas que provoca.

Não vemos outro propósito senão o de criar um obstáculo imediato ao cumprimento da sentença, passando por cima de sua própria autoridade, em tese. Ora, considerando que, para ser executada, a sentença tem que tem que ser irrecorrível, isso vem a significar a possibilidade de desconstituir a coisa julgada em o uso da via rescisória, a única admitida pela doutrina com poder de desconstituição da sentença e, até então, a única aceita por nossas leis processuais com o mesmo escopo.

A norma trará, inevitavelmente, duas decorrências. Uma será de simplificação e rapidez no desfecho da ação, porém em favor exclusivo do devedor, que não é o hipossuficiente econômico, na execução trabalhista. A outra tem o aspecto de uma audaciosa cunha cravada na majestade da coisa julgada, da qual já se disse: “A autoridade da res judicata não admite, desde que já foi reconhecida a verdade, a justiça e a certeza a respeito da controvérsia, em virtude da sentença dada, que venha a mesma questão a ser ventilada, tentando destruir a soberania da sentença, proferida anteriormente, e considerada irretratável, por ter passado em julgado.”[6]

Talvez encontremos, na lição de Pontes de Miranda sobre o ataque à sentença inexistente ou nula, o fundamento para o desprezo deste § 5.º pela ação rescisória da sentença que não constituiu direito por se haver estribado em norma declarada inconstitucional.

“Aqui – ele diz – fere-se o ponto mais delicado: a ação de nulidade supõe que a relação jurídica processual exista, posto que nulo o processo; a ação rescisória, que exista e valha o processo, porém ainda esteja sujeito à impugnação rescidente... A sentença transitou em julgado, há sentença, que existe, vale e é eficaz, de modo que não há ação rescisória de sentença que não existe, do decisum que não é sentença. Se, a despeito de existir a sentença, é tida como nula, não se precisa da propositura da ação rescisória: a rescindibilidade pode existir, mas perdura a nulidade, que dá ensejo à querela de nulidade inserta nos embargos do devedor. Uma das conseqüências da declaração da inexistência da sentença, ou da decretação de sua nulidade, é poder quem foi prejudicado pela inexistência, ou pela nulidade da sentença, pedir a restituição ao estado anterior, porque se atribui efeito ao que, em caso de declaração da inexistência ou nulidade, não existe. Nem a sentença que não é, nem a que é nula, tem eficácia.” [7]

Parece-nos, acima de dúvida, que o § 5.º do art. 884 assume esse modo de pensar. Se o título judicial não constituiu o direito, porque não podia faze-lo contra a Constituição, violada pela base normativa em que se amparou, é possível considera-la inexistente ou nula (para nós a distinção é irrelevante, na prática, pois o resultado da inexistência e da nulidade pleno jure é o mesmo), então a rescisória é despicienda, porque não se atingiu a coisa julgada a desconstituir. Trata-se, simplesmente, de nulidade do processo, ainda que válida a relação jurídica estabelecida dentro dele, solúvel pela simples declaração de nulidade.

Parece-nos que esta linha de pensamento é a razão jurídica do atalho construído para o curso da execução, quando o título em que se funda não pôde constituir direito que se tornasse exigível.

Se é assim, o que o § 5.º do art. 884 construiu foi, na realidade, uma causa específica para a exceção de pré-executividade (rectius, defesa sem constrição) veículo de ataque direto à inadmissibilidade da execução pela vacuidade de direito do título em que se ampara.

Até enquanto a Medida Provisória se detém na hipótese de lei ou ato normativo já declarado inconstitucional pela Suprema Corte, conseguimos considerar palatável sua inovação. Mas, quando admite o mesmo efeito para situações em que a interpretação do juízo do momento poderá dizer se o título judicial cuja autoridade repele, tout court, aplicou ou interpretou o direito que constituiu, de modo compatível com a Constituição, cremos ter cometido um exagero pouco jurídico de simplificação e entregue a res judicata, cujo império deve ser preservado como custo da estabilidade das relações jurídicas, à subjetividade da apreciação de primeiro grau, que pode torna-la tão respeitada como um bilhete rifado de loteria. Neste passo, portanto, consideramos inaceitável o que fez a Medida Provisória em questão.

O tempo dirá se nossa visão é correta – e se a criação da norma valerá a pena como introdução pioneira da exceção de pré-executividade no direito positivo brasileiro ou será mais uma distorção entre as tantas que a lei brasileira tem imposto à teoria do processo.


[1] Dicmax Michaellis (Eletrônico). São Paulo: Melhoramentos, 1999, verbete “Embargo”. Ver também SEGUIER. Dicionário Prático Ilustrado. Rio: Francisco Alves, pág. 371.

[2] NEVES, CELSO. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio: Forense, 1974, vol. VII, pág. 197.

[3] BULOS, UADI LAMMÊGO. Constituição Federal Anotada. 2ed. São Paulo: 2001, pág. 763.

[4] RODRIGUES PINTO, JOSÉ AUGUSTO. O novo prazo para embargos do devedor na execução cível e trabalhista. São Paulo; Revista LTR, 65-04/412/413, destaques do original.

[5] GIGLIO, WAGNER D. Direito Processual doTrabalho. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2000, pág. 521, destaques nossos.

[6] DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. 15 ed. Rio: Forense, 1999, pág. 178, destaques do Autor.

[7] PONTES DE MIRANDA. Tratado da Ação Rescisória. São Paulo: Bookseller, 1998, pág. 179

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